Num dia de sol, um jovem adulto de meia-idade resolve sair por sua cidade praiana com seu violão, a bordo de um Fusca, em busca de algum encanto. Paralelamente, uma jovem executa suas tarefas do dia de bom-humor, como se soubesse que, por fim, iria encontrar o amor à beira-mar, lugar onde ela mais gosta de estar. É mais ou menos assim (muito melhor assistir do que ler sobre) o clipe de “Merci”, primeiro single do EP que marca a estreia autoral de João Ramalho, cantor, compositor e violonista. Lançado nesta quarta-feira, 25 de setembro, o clipe antecipa a faixa que chega às plataformas digitais dois dias depois, sexta, 27 de setembro. Assista agora.

O nome da música já indica que a inspiração não é daqui. A letra também: “Você não é daqui / Mas vem de um lugar bom”, canta João na primeira estrofe. E de fato a musa é uma atriz franco-brasileira – por isso as referências a Chandon e aos personagens Cyrano e Roxane da peça “Cyrano de Bergerac” – que João conheceu cerca de 15 anos atrás.

“O pai era francês e a mãe, baiana. Na época, ela surfava e era atriz, e optou por morar no Brasil por causa do clima quente. Por isso os versos: ‘Ela vem pelo sol / Sempre quis o verão / Veja bem, ela vem / Bronzeando a pele forasteira’. Chandon é uma licença poética, já que sua cidade tinha outro nome menos conhecido”, conta João.

A composição estava guardada desde então. Naquele tempo, a JPG – que fundou junto a Eduardo Gema – já era uma banda de cover madura e tomava muito da agenda do músico. Nada como o tempo para amadurecer também a ideia de expor essa sua outra intimidade. Melhor assim. Se fosse em outro momento, talvez tivesse que se esforçar mais para provar que não é apenas fruto de um bom encontro de DNAs.

João Collares Ramalho é filho de dois grandes ícones da MPB, Zé Ramalho e Amelinha, mas nunca se valeu disso para impulsionar sua carreira. Seu som carrega referências, mas não inspira comparações. Com timbre grave, mas nem tanto (experimente vê-lo imitando o pai!) e com excepcional afinação (aprendeu com a mãe), João Ramalho caminha de forma independente junto com o pop, misturando gêneros que permearam suas vivências nos palcos e em suas casas... Desde a de Fortaleza, onde nasceu, até a de Niterói, onde mora há anos, passando pelas do seu pai, no Rio e em João Pessoa.

“Ser filho deles só me ajudou, mas tem a responsa, né? Meu pai é o cara dos conselhos e minha mãe, a pessoa da fé. Ela sempre torceu por esse momento, porque desde criança eu gostava de aparecer nas festas deles com a minha guitarrinha de brinquedo. Meu pai fala coisas como: ‘Se passar um fio de cabelo de oportunidade, agarra e vai com ele’. Ela é otimista, ele nem tanto. O equilíbrio coloca meu pé no chão”, diz João.

“Merci” é um pop praiano, com muitas pitadas de reggae, gravado por uma banda de peso: Guilherme Schwab (arranjo, vocal, violão, guitarra, e guitarra slide), Lancaster Lopes (baixo), Renan Martins (bateria), Jonavo (bandolim), Jorge Continentino (sax), Marlon Sette (trombone), Diogo Gomes (trompete) e Ge Fonseca (teclado). Jonavo assina a direção do ensolarado clipe de “Merci”, que tem fotografia de Sylvia Sanchez e roteiro escrito a seis mãos, as dos dois diretores e as de João.

A direção musical é também de dois grandes nomes da nova MPB, o niteroiense Guilherme Schwab e o campo-grandense Jonavo. Schwab ganhou um Grammy quando integrava a banda Suricato e hoje é requisitado por Leo Jaime, Baby do Brasil e muitos outros, além de ter um belo trabalho autoral. Jonavo é cantor, compositor, ex-integrante da banda Folk na Kombi, já fez turnê nos EUA e gravou com nomes como Renato Teixeira.

O folk vem aí em outras faixas que João Ramalho irá lançar em breve. “Merci” é só começo. Ou melhor, o recomeço de um grande artista que, sim, já participou de trabalhos do pai e da mãe. Procure por ele no DVD “Tá Tudo Mudando – Zé Ramalho Canta Bob Dylan” e nas plataformas cantando “Noite Preta” e “Beira-Mar”, e em vídeos de shows com Amelinha:

“Acho que chegou a hora de dar continuidade a esse legado. Antes, parecia não fazer sentido eu querer ser o João Ramalho. Hoje, tenho um conjunto de camadas que me levaram a ter mais confiança para iniciar uma carreira solo.”

João Ramalho
Nascido em 22 de agosto de 1979 em Fortaleza, onde seus pais moravam à altura, João Collares Ramalho quebrou algumas baterias de brinquedo e acabou ganhando de presente uma guitarrinha, com a qual se apresentou nas festas de casa. Filho da cantora cearense Amelinha (ele estava na barriga da mãe na foto de capa do álbum “Frevo Mulher”) e do cantor e compositor paraibano Zé Ramalho, o menino adorava se mostrar com o pequeno instrumento aos amigos dos pais, inclusive aos integrantes da Seleção Brasileia de 1982 em um encontro logo após a Copa do Mundo realizada na Espanha. Como se não bastasse a filiação, ele ainda foi batizado pelo cantor e compositor Fagner, outro ícone da MPB nordestina.

Sua maior inspiração, quando criança, era o guitarrista Robertinho de Recife (ainda hoje uma grande influência). Na medida em que foi crescendo – e se mudando para o Rio e, na adolescência, para Niterói – João foi absorvendo uma série de referências que acabaram ajudando na formação do seu gosto musical. Aos 15 anos, ganhou do pai o seu primeiro violão e começou a tocar hits de nomes como Lulu Santos. Voz e violão oficial dos recreios da escola, João Ramalho acabou convidado a fazer barzinhos aos 21. Em 2003, formou com Eduardo Gema a banda de cover JPG.

O trabalho autoral foi sendo maturado enquanto João ouvia, além das influências internas, nomes como Jack Johnson e Ben Harper. Antes de preparar seu primeiro trabalho, tocou com o pai no DVD “Tá Tudo Mudando – Zé Ramalho Canta Bob Dylan”, apresentou-se algumas vezes ao lado de Amelinha e gravou “Noite Preta” e “Beira-Mar” para o projeto “40 Anos Remake Pop Rock” dos álbuns “Zé Ramalho” e “A Peleja do Diabo com o Dono do Céu”. Nas redes, impacta os flamenguistas com seu personagem “Zopilote” (“urubu” na língua espanhola) no YouTube e faz todo tipo de gente rir com seus vídeos no Instagram.

Por Chris Fuscaldo
Jornalista, pesquisadora musical e biógrafa



Fonte: Claudê Lopes  |  @claudelopes70

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